Neste
número a revista O CRUZEIRO expõe as provas fotográficas de que as
materializações de Uberaba não passaram de uma farsa, além de diversas
inconsistências ditas pelos ‘espíritos’. Os repórteres, no entanto, são
explícitos em dizer que Chico Xavier de boa fé acreditava nas
materializações. A idéia de que a revista O Cruzeiro quis desmoralizar o
médium mineiro, portanto, cai por terra. Ao final da postagem existe um
link para o download da matéria original em alta resolução. No dia 2 de
abril serão apresentadas as provas materiais que Otília Diogo fraudava.
– Em Uberaba –
Equipe de ‘O Cruzeiro’ desvenda a farsa da materialização
A
PEDIDO do comandante da experimentação, a “Irmã Josefa” se ajoelha para
ser fotografada, logo à saída da pequena cabina de portas pretas,
indevassável à luz do “flash”. Na extremidade do fio comprido, o
interruptor de luz, que a “forma materializada” aciona, vez por outra,
num átimo de segundo, para que os presentes a vejam. Encapuzada no véu
branco, que a cobre da cabeça aos pés, ninguém consegue ver o seu rosto,
nem suas formas. O filme colorido, no entanto, como mostra a capa de “O
Cruzeiro”, desvenda o mistério e revela com nitidez impressionante o
rosto da “irmã Josefa”. Um rosto que não é outro senão o da sensitiva
Otília Diogo, a médium por intermédio de quem as formas se materializam.
A foto à direita foi batida depois que terminou a sessão. Nela pode-se
ver o pé esquerdo da médium solto dentro da correia. Bastava puxá-lo, e
ele sairia rapidamente.
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O CRUZEIRO COMPROVA EM UBERABA A FARSA DA MATERIALIZAÇÃO
REPORTAGEM DE JOSÉ FRANCO, MÁRIO DE MORAES, NILO DE OLIVEIRA, HENRI BALLOT, JORGE AUDI E JOSÉ NICOLAU
Há
duas semanas, “O Cruzeiro” abriu suas páginas a um impressionante
depoimento, enriquecido com fotografias, de médicos de São Paulo e Minas
Gerais, sobre experiências de materialização de espíritos em Uberaba.
Na ocasião, nada endossamos. Nem poderíamos fazê-lo. Fomos, então,
convidados a assistir a uma sessão especial em que os mesmos médicos,
valendo-se de uma médium, pretendiam demonstrar a validade de suas
investigações. Um grupo de repórteres e fotógrafos de “O Cruzeiro” foi
destacado para a missão, disposto a apurar toda a verdade e a contar
tão-somente a verdade. José Franco, Mário de Moraes, Henri Ballot, Nilo
de Oliveira, Jorge Audi e José Nicolau viram tudo. E constataram a
fraude primária nessas experiências de Uberaba e prestam isoladamente
seus depoimentos, também enriquecidos de fotografias, inclusive a feita
em cores que publicamos na capa. Com a mesma isenção com que revelamos o
embuste, registrado em Uberaba, estamos dispostos a enviar os nossos
repórteres e fotógrafos a qualquer outra parte onde sejam realizadas
iguais experiências de materialização.
A médium Otília prepara-se para a grande “demonstração”
ANTES
de ter início a sessão de experimentações sobre materialização de
espíritos, a “sensitiva” Otília Diogo passa pelas mãos dos médicos
encarregados do seu controle clínico. Isto é feito mais de uma vez. A
pressão arterial e pulso são examinados antes e depois da experiência
TAO
LOGO se “materializou”, a “Irmã Josefa”, em dado momento, solicitou que
os presentes lhe fornecessem ectoplasma, abrindo a boca por alguns
instantes. À luz do “flash” do fotógrafo José Nicolau, que aparece ao
fundo, o flagrante foi batido. Dos três que aparecem, só um abriu a
boca.
OS
MÉDICOS Waldo Vieira e Sebastião de Melo, este dirigente da
experimentação, mostram para o repórter de “O Cruzeiro”, Nilo de
Oliveira, o gravador de sons que, no decorrer da sessão, vai imprimir os
diálogos e ruídos dentro da saleta.
O
ENCARREGADO da revista e de controle médico da “sensitiva”, Dr. Alberto
Calvo, está sempre presente. Aqui ele é visto, junto ao dr. Sebastião
de Melo, manietando a médium com o auxílio do repórter Nilo de Oliveira,
de “O Cruzeiro”, que discordou da maneira como foi feita a operação.
UM TOCA-DISCOS QUE NÃO TOCA, UMA IDIOSSINCRASIA AO TALCO, UM APERTO DE MÃO IMPOSSÍVEL E MUITAS OUTRAS PROVAS DERAM A CERTEZA DE QUE HAVIA FRAUDE NAS EXPERIÊNCIAS DE UBERABA.
DEPOIMENTO DE JOSÉ FRANCO
O
convite para assistir à pesquisa mediúnica me foi formulado. Chego a
Uberaba numa sexta-feira. Não quero testemunhar sozinho, apenas com o
fotógrafo, a ocorrência do fenômeno de materialização dos espíritos,
porque a despeito dos depoimentos dos médicos, é grande minha
incredulidade. Por isso, aguardo em Uberaba, até às treze horas, a
chegada de vários companheiros meus de “O Cruzeiro”, que viajam de
camioneta, via São Paulo. Já estamos na Vila Silva Campos, no
consultório médico do Dr. Waldo Vieira (Rua Seis, 215), onde se
processarão as experiências da noite, eu, o fotógrafo José Nicolau e
Paulo Resende Miranda. Muitas horas nos separam, ainda, do horário
previsto para as aparições, mas nota-se que os preparativos já estão
sendo feitos, numa azáfama contínua. Francisco Cândido Xavier nos
cumprimenta, efusivamente mas com humildade, e afirma que a nossa
reportagem é das mais sérias que se fizeram no Brasil sobre o
espiritismo. Essa é a primeira vez que o repórter trava contato com o
“Chico” e também com o médico e médium psicógrafo Waldo Vieira. Este,
logo depois, nos convida para visitar o seu consultório, local que tem
servido, desde setembro, como “câmara das experimentações” científicas,
sobre materializações de entidades espíritas. O cômodo é apertado,
medindo 3 m x 3 m, o chão ladrilhado e as portas inteiramente vedadas,
desde os caixilhos até as fechaduras; 29 cadeiras numeradas, dispostas
num semicírculo, uma pequena mesa sobre a qual se vê um gravador são os
únicos móveis existentes, sem contar a espreguiçadeira, forrada de pano,
fixa no chão, num canto da saleta. É ali, ao redor da qual há um biombo
de cortinado preto, que a “sensitiva” (médium) se sentará, às 21 horas,
para dar início à sessão. Sobre essa cabina, também de dimensões
acanhadas, há uma lâmpada minúscula, vermelha, de onde pende um fio
comprido, em cuja extremidade está um interruptor de luz.
— E a jaula? — pergunto.
— Na
experiência de hoje — responde Dr. Waldo — a jaula foi eliminada porque
a médium já não está se dando bem com ela; temos que diversificar as
experimentações, para um melhor estudo dos efeitos ectoplasmáticos.
A
seguir, nos sugere o exame completo do local, para a comprovação de que
não há alçapões ou entradas falsas. Fizemos o exame minucioso, e a
nossa impressão era de que não havia possibilidade desse tipo de fraude.
Quanto a isto, estávamos absolutamente tranqüilos.
Pediu-nos, então, que escolhêssemos, desde logo, as cadeiras onde quiséssemos sentar.
—
Aqui tudo se controla, compreende? Cada qual terá o nome e o número da
cadeira, para evitar possíveis enganos. Há muitas farsas, muitos
engodos, sempre se ouve dizer… Não queremos que isso se repita aqui,
porque o nosso trabalho é sério.
Peço
ao Dr, Waldo que aguarde até mais tarde, pois devem chegar os meus
companheiros do Rio. Ele se retém um pouco, diz que talvez alguém tenha
que ser cortado, por absoluta falta de espaço. Eu lhe digo que, pelo
menos dois, ficarão de fora, para policiar o exterior.
Após
15h 30m de viagem, chegam a Uberaba os demais componentes da equipe de
“O Cruzeiro”, para deslindar o mistério das “aparições”. São eles: Mário
de Moraes, Jorge Audi, Nilo de Oliveira, Henri Ballót e o motorista
Damião. Juntos, retornamos, à tarde, ao consultório do Dr. Waldo Vieira,
para as apresentações e as indicações sobre o que os repórteres
poderiam “pedir”, no desempenho de sua tarefa. Alguns médicos, de São
Paulo e outras cidades do Triângulo, que participam da “equipe
científica”, já estavam chegando. Certos pontos foram devidamente
esclarecidos pelo Dr. Waldo Vieira: 1) — Só poderá entrar um “flash”; 2)
— As fotos só podem ser batidas quando houver expressa autorização da
“entidade materializada”; 3) — A ninguém será permitido entrar de paletó
ou com qualquer objeto nos bolsos; 4) — Haverá à entrada uma revista
rigorosa; 5) — Nenhuma pessoa deve levantar-se de sua cadeira, a não ser
com permissão prévia. Contudo, os jornalistas poderiam adquirir
cadeados e “manietar como quisessem a médium”, Otília Diogo, que havia
chegado, à tarde, de São Paulo. Como me havia dito que haveria duas ou
mais sessões, até que ficássemos satisfeitos, informei-lhe que, na
reunião de sábado, tomaríamos essas precauções e outras que nos fossem
sugeridas com o desenrolar dessa primeira experiência, de sexta-feira.
Tudo acertado, a equipe de repórteres voltou a examinar o consultório,
“câmara das experimentações”. Nada havia que pudesse, aparentemente,
infundir receio, a não ser a presença, dentro da saleta, de uma enorme
balança, que pedimos fosse retirada. Mário de Moraes, em seguida, pediu
permissão para, à noite, fazer a “prova do talco”, conforme conta no seu
depoimento.
Antes
que o grupo de repórteres se retirasse, foram escolhidos os lugares,
tendo ficado acertado que o nosso fotógrafo José Nicolau levasse o seu
“flash”, o único que funcionaria durante a noite, em sintonia com as
diversas máquinas fotográficas. E mais uma vez a recomendação:
— Não exploda o “flash” enquanto não houver permissão. Se o fizer, poderá matar a médium!
Assim,
além dos integrantes da equipe desta Revista (o repórter Nilo de
Oliveira e o motorista Damião ficaram na parte externa), tomaram
assento, às 21 horas, na “câmara das experimentações”, os seguintes
médicos: Eurípedes Tahàn Vieira (Uberaba), encarregado da gravação;
Cleomar Borges de Oliveira (Rifaina, SP), inventariante; Adroaldo
Modesto Gil (Itapira, SP), cronometrista; Alberto Calvo (São Paulo),
revista dos presentes e controle da sensitiva; Adolor Alves de Gouveia
(Ituiutaba, MG), encarregado dos fosforescentes individuais; Waldo
Vieira, (Uberaba); Oswaldo de Castro (São Paulo), controle da sensitiva;
Sebastião de Melo (Itumbiara, GO), dirigente da experimentação); Elias
Barbosa, controle da sensitiva e relator da experimentação; Armando
Valente do Couto (Campinas, SP), exame clínico da sensitiva; José
Américo Junqueira de Mattos (Marília, SP), controle da sensitiva; Ismael
Ferreira de Resende (Uberlândia, MG), vestimenta da sensitiva; Milton
Skaff (Sacramento, MG), pesagem dos presentes. Além desses médicos, cada
qual com uma função, assistiriam, ainda, à sessão, Francisco Cândido
Xavier, os fotógrafos Wando Vieira e Nedyr Mendes da Rocha, este de São
Paulo, Wanda Marlene dos Santos e Cleusa Soares, ambas da TV-Itacolomi,
Nestor Mendes da Rocha, José Felisbino Diogo e Alfredo Capaldo, estes
três últimos de Campinas e acompanhantes da médium Otília Diogo.
Feito
isto e depois das exigências de praxe (pesagem, identificação, revista,
fosforescentes no ombro de cada participante etc), teve início a
experimentação. Eram 21h 05m. Waldo Vieira havia afirmado que “se alguma
semelhança ocorresse com os traços faciais ou corporais (seios etc.) da
sensitiva com as formas materializadas, isto se daria devido ao
processo de materialização encontrado na experimentação: processo
indireto ou superincorporação, onde surgem normalmente essas
semelhanças”. E citou “literatura” a respeito.
Amarrada
e algemada à cadeira tipo espreguiçadeira, agora na sala em silêncio e
absolutamente escura, a médium entrou em transe às 21h 10m. O dirigente
da experimentação, Dr. Sebastião de Melo, pediu orações aos presentes,
solicitando que todos fixassem o pensamento na sensitiva pois que a Irmã
Josefa não tardaria a aparecer. As 21h 20m, houve, no recinto, aspersão
de perfume em forma de chuva; às 21h 27m uma pequena luminosidade
fosforescente era observada, tenuamente, no biombo da médium. Às 21h 28m
já se ouvia a voz.direta. As 21h 35m, viu-se a forma feminina
materializada. Era a Irmã Josefa, com o seu véu branco, que chegou
dizendo e repetindo, volta e meia, suavemente:
— Viva Jesus, Viva Jesus!
Ela
própria acendeu, algumas vezes, num átimo de segundo, a pequena luz
vermelha suspensa sobre a cabina indevassável. A pedido de alguns dos
presentes, inclusive dos repórteres, feito através do dirigente da
experimentação, a “freira” se deixou fotografar ao lado de cada um.
— Filho,
não pegue na materialização hoje, filho! Só meu dedo está
materializado, filho! — recomendou a freira e todas as ordens foram
cumpridas, fielmente.
Entretanto,
a “forma materializada”, ao ser fotografada junto deste repórter,
passou a mão pelo nosso braço e segurou o nosso dedo.
Dentro
da escuridão da pequena saleta, dois ou três dos médiuns presentes
entravam também em transe, resfolegando. Batidas várias chapas, sempre
que a autorização para isso fosse dada, o dirigente da experimentação
disse que dentro de pouco tempo teríamos diante de nós a materialização
do Dr. Veloso.
Efetivamente, às 21h 12m[1]
o cheiro penetrante de éter, que no ambiente caía em forma de chuva,
dominou a todos. Às 22h 15 m, vestido em estilo oriental, Dr. Veloso
surgiu, acendeu a pequena luz vermelha. Não “materializou” a voz.
Pedindo-lhe autorização para ser fotografado — pedido sempre formulado
através do Dr. Sebastião de Melo — dá o seu consentimento batendo com o
pé no chão. Atrás, encostado à parede, o fotógrafo oficial da pesquisa,
Nedyr Mendes da Rocha (espírita), traz sob controle rigoroso o fotógrafo
José Nicolau, de “O Cruzeiro”:
O CRUZEIRO, 1 – 2 – 1984
— Não acenda o “flash”, não acenda o “flash”. Primeiro a autorização, senão você mata a médium.
A
sessão se encerra, após a sensitiva ter “materializado” também a voz de
um “caboclo”, às 23 horas. A médium Otília se retira da cadeira atrás
do biombo (estava algemada e amarrada após o encerramento dos
trabalhos), quando os presentes a auxiliam nas desamarras.
Dr. Waldo Vieira nos pergunta se estamos impressionados:
— Nem um arrepio, doutor!
A
Irmã Josefa, quando “materializada”, respondendo a uma consulta, disse
que não poderia “materializar-se” no dia seguinte. Sábado, pela manhã,
regresso ao consultório do Dr. Waldo Vieira e ele quer saber a opinião
dos meus companheiros de “O Cruzeiro”. Digo-lhe:
— Negativa, doutor. Não ficaram convencidos!
— E a sua?
— Também não me convenci.
— Tem razão, não é fácil de se convencer apenas com uma experimentação.
— Mas qual a sua dúvida?
— Ora,
doutor, não nos foi permitido fotografar a médium eliminando o
ectoplasma, conforme mostram as fotos que ilustraram a reportagem
anterior de “O Cruzeiro”. Ademais, a jaula, doutor…
— A experiência de ontem foi diferente, mas vocês ainda terão oportunidade de ver tudo isso.
— E como você explica as aparições?
— Perdoe-me,
doutor: acredito que a médium, na escuridão do recinto, se livra das
amarras e inclusive das algemas, sozinha ou com a parceria de alguém. O
mágico Houdini fazia dessas…
— Ora,
isso é absolutamente impossível. Eu lhes disse para comprar cadeados e,
se quisessem, poderiam até ter esticado uma corda diante dos que se
sentavam na primeira fila. Eu não disse?
— Disse.
— Então?
— Estávamos certos que, hoje, haveria uma segunda sessão.
— Seus companheiros pensam assim também?
— Creio que sim, mas eles darão suas próprias opiniões.
DEPOIMENTO DE MÁRIO DE MORAES
Saímos
todos para a casa do médium Francisco Cândido Xavier (o famoso Chico
Xavier), em Uberaba, local da experiência. Assim que chegamos, fomos
apresentados ao médico Waldo Vieira, clínico dessa cidade. Homem de 35
anos de idade, alto, simpático, bem falante, autêntico
relações-públicas. Seguem-se outras apresentações. De Chico e de outros
médicos, entre estes Sebastião de Melo, clínico de Itubiara, Goiás. O
Dr. Waldo é bastante perspicaz e tem raciocínio vivo, dando respostas
rápidas a todas as perguntas. Fala com os olhos fixados nos meus. Penso
em hipnotismo. Por coincidência, nesse mesmo momento, Nilo de Oliveira,
que conversava com o Dr. Sebastião, vira-se para este e pergunta de
chôfre: — “O senhor tem curso de hipnotismo, não é verdade?” — “Sim” — é
a resposta. (Mais tarde vim a saber que Nilo dera um blefe.
Desconfiado, resolvera fazer a pergunta, fazendo o médico acreditar que
êle soubesse a verdade.) O Dr. Waldo explica-me, então, que talvez eu
tivesse vontade de vomitar, durante a sessão. Não deveria ficar
preocupado, pois isso seria um sinal de que estava fornecendo ectoplasma
à entidade que deveria “materializar-se”. Durante a nossa conversa,
perguntei se era possível apertar a mão da entidade. Disse que sim, mas
teríamos que decidir, antes do início da sessão, quem seria o escolhido
para esse aperto de mão. Deixando por uns momentos o Dr. Waldo, fui até
um grupo que ouvia o Dr. Sebastião contar a história de “Irmã Josefa”,
falecida há 17 anos, e que se “materializara” em várias reuniões,
através da médium Otília Diogo. “Irmã Josefa”, depois de ter relações
com um padre, dera a luz uma criança do sexo feminino, que fora entregue
a uma mulher para criar. A menina seria a médium Otilia. A “Irmã
Josefa” também dissera, numa das suas “aparições”, onde estava
enterrada. Ele fora constatar o fato e encontrara o túmulo da madre, num
trecho de cemitério destinado a freiras. Comprovando o que dissera a
entidade: na lápide do túmulo da “Irmã Josefa” não há, como nos outros, a
palavra “Maria”, pois ela não era virgem. E esse fato era do
conhecimento das superioras do convento. Chegamos, agora, a uma das
provas mais importantes, para mim, da não-autenticidade dos “fenômenos”
de Uberaba.
Eu,
quando saíra do Rio, havia dito que queria colocar talco em redor da
cadeira da médium. Caso ela se levantasse, seus pés ficariam imprimidos
no pó. Perguntei ao Dr. Waldo se isso seria possível e ele disse que
não. Primeira explicação: a médium tinha forte idiossincrasia ao talco.
Que idiossincrasia é essa, Dr Waldo? Segunda explicação, para ele mais
convincente: — “Vou lhe falar a verdade. O fato é que, numa de nossas
reuniões, um dos presentes, que estava na primeira fila, levantou-se no
escuro, foi até o talco e nele colocou o pé. Quando acendemos a luz
disse que aquele pé era de Otília querendo, com isso, desmoralizar a
experiência”. Se uma pessoa pode levantar-se, sem ser pressentida, e ir
até o talco, também pode levantar-se e ir até a cadeira da médium,
abrindo-lhe as algemas. Eu declarei que conhecia um pó para ser colocado
na palma da mão e que poderia servir de prova numa experiência daquela
natureza. Ao cumprimentar a entidade, o pó existente na palma da minha
mão, invisível a olho nu, passaria para a mão do “espírito”. Se, por
acaso, este fosse a própria Otília, quando a lâmpada voltasse a acender,
bastaria um jato de luz ultravioleta na mão da médium para comprovar a
fraude. O Dr. Waldo falou-nos nos seus planos futuros: construção de um
edifício para fazer experimentações de natureza psíquica. Planta de
Niemeyer, fornecida gratuitamente pelo famoso arquiteto. Ante o nosso
espanto, esclareceu: — “Dizem que ele é comunista”, mas, na verdade,
resolveu nos ajudar, pois está interessado em “materializações”. Também
editariam um livro, com 150 fotografias dos “fenômenos”. Eu havia levado
uma filmadora. Desejava rodar alguns metros de filme, quando aparecesse
o “espírito materializado”. O Dr. Waldo afirmou ser impossível.
Primeiro porque, para isso, necessitaria de um equipamento especial;
segundo, porque a “Irmã Josefa” havia prometido exclusividade de
filmagem à atriz Vanda Marlene, da TV-Itacolomi. Depois, forneceu um
terceiro motivo: a luz constante, sobre a “materialização” poderia matar
a médium. “Quando perguntei ao Dr. Sebastião de Melo por que algumas
das fotos publicadas em “O Cruzeiro” estavam tão nítidas, parecendo
terem sido batidas com luz de dia, êle me explicou: — “Eu estava na sala
às escuras, com uma máquina tipo caixão, sem mesmo saber como operá-la
direito, quando apareceu a “Irmã Josefa” e mandou que eu batesse as
fotos assim mesmo. Operei um filme. Revelado pelo nosso fotógrafo,
mostrou 12 chapas perfeitas. Algumas delas foram publicadas em “O
Cruzeiro”. Antes do início da sessão ocupamos o nosso tempo conversando e
examinando fotos das obras de benemerência de Chico Xavier, este é
realmente um homem bom, que acredita nas experiências realizadas na sua
casa. O povo de Uberaba parece adorá-lo, em virtude do auxílio que
presta à população pobre da cidade. Otília Diogo é levada para um
pequeno quarto, onde será examinada por dois médicos. Dois repórteres
deverão assistir o exame: eu e Jorge Audi. Um dos médicos examina a
pressão da médium. Em seguida um deles apalpa-lhe as roupas. O exame é
superficial. Perguntam se desejamos examiná-la. Damo-nos por
satisfeitos. Antes do início do exame, Otília havia declarado estar em
catamênio anormalmente intenso. Pediu a um dos médicos, inclusive, que a
examinasse no dia seguinte. A informação íntima nos inibiu proceder a
um exame mais minucioso de suas vestes, deixando escapar, possivelmente,
a oportunidade de descobrir, debaixo do vestido preto, filó branco que
haveria de cobrir as “entidades materializadas”. O exame não terminara
de todo e Otília pedia para ir ao banheiro, de onde saiu para a sessão,
com ligeira passagem pela balança. Todos foram pesados e revistados. 29
pessoas penetraram na sala da experiência, sendo 6 de “O Cruzeiro”,
inclusive o funcionário do “bureau” de Minas, Paulo Miranda. Convidaram
Nilo de Oliveira para ajudar a amarrar a médium. Nilo retirou-se da
sala, indo ocupar o seu posto lá fora, ao lado do nosso motorista Damião
Alves. Nós sentamos nas nossas cadeiras, previamente determinadas.
Nenhum ficou ao lado de outro companheiro da revista. Todos os nossos
movimentos eram controlados pelos vizinhos, cujas pernas estavam coladas
às nossas. No ombro direito de cada um foi colocado um pequeno
retângulo de esparadrapo, embebido em material fosforescente. Serviria
para controlar o movimento dos 29 espectadores. Havia uma dificuldade:
na posição em que dispuseram as cadeiras, ninguém podia controlar todos
os outros 28. Quando a sala ficou escura, tentei contar os demais. O
máximo que vi, eu que estava em posição privilegiada, foram 15. Os
outros ficavam encobertos. A porta foi fechada a chave e esta entregue a
Jorge Audi. Puxaram a cortina preta, cerrando totalmente a cabina. E a
sala ficou completamente escura. A luz, que filtrava por baixo da porta,
também desapareceu, quando apagaram a lâmpada da sala ao lado. Ficaram,
apenas os pontos fosforescentes. Chico Xavier fez uma prece, abrindo os
trabalhos. Quase imediatamente, a médium Otília começou a gemer.
Gemidos impressionantes, como se ela estivesse sofrendo dores terríveis.
Depois ouvimos engulhos, seguidos de vômitos. O Dr. Sebastião, que
dirigia os trabalhos e era o único que podia falar com as entidades,
informou que a médium estava expelindo ectoplasma. Os grunhidos aumentam
de intensidade. Alguns minutos depois, senti vários pingos de perfume
caírem em meus braços e no meu rosto. A “Irmã Josefa” estava chegando.
Logo em seguida ouvimos uma voz, suave e muito bonita. “Irmã Josefa”
cumprimentou os presentes, rendeu graças a Deus, pilheriou sobre os
“vaga-lumes” e perguntou quem eram os desconhecidos. Repórteres?
Jornalistas? Não sabia o que era isso. Ela, que morreu apenas há 17
anos. Falei com Chico Xavier que desejava apertar a mão da entidade. Ele
transmitiu o pedido a Sebastião que, por sua vez, o fez chegar à
“freira”. A “Irmã Josefa” respondeu que não era possível, pois sua mão
direita tinha apenas um dedo. O ectoplasma não fora suficiente para
fazer a mão direita. Lembrei-me, então, do pó que poderia levar na palma
da minha mão. A entidade teria medo? Ou Otília é que estava apavorada,
sem querer se manchar? Que ela tinha cinco dedos é fácil verificar nas
fotos que batemos. Concordou, porém, em ser fotografada ao meu lado. O
Dr. Waldo levantou-se então, da cadeira onde estava sentado, bem à minha
frente, segurou-me pelas mãos e conduziu-me, no escuro, até onde estava
a “Irmã Josefa”. Ela tocou-me com o seu único dedo e pediu-me que
colocasse os braços bem para a frente, não tentando segurar no seu
corpo, pois poderia matar a médium. Assim foi feita a minha foto, ao
lado do “espírito”. Mesmo que eu quisesse, era difícil segurar a
“entidade materializada”, pois todos os meus movimentos estavam
controlados pelo dedo colocado em meu braço. A luz vermelha eu também
não podia acender, pois o Dr. Waldo segurava o fio elétrico. Fiquei ali
parado, constrangido, com os olhos bem abertos para ver se distinguia as
feições da “freira”. E verifiquei, nitidamente, que a “Irmã Josefa”
tinha o mesmo rosto da médium Otília. Mais tarde, ao terminar a sessão, o
Dr. Waldo me explicaria que isso era normal, pois o espírito da “Irmã
Josefa” não era suficiente forte para “fazer” outra cara. Por isso ela
usava a de Otília. Declaração que contradizia frontalmente com a que
fora publicada em “O Cruzeiro”: “A “Irmã Josefa” se manifesta com
características que a individualizam de modo categórico. O seu timbre de
voz é diferente do da médium, a sua fisionomia também o é. A sua
compleição, ou seu biótipo, não se assemelha também com o da médium
Otília. Ela tem luz própria, voz própria, e nós tivemos oportunidade de
auscultar, de ver e pegar com os nossos dedos na forma materializada”.
Conosco foi diferente. O timbre de voz da “Irmã Josefa” é quase igual ao
de Otília, só que aquela fala mais devagar e com um sotaque diferente; a
fisionomia, a compleição e o biótipo de “Irmã Josefa” é o mesmo de
Otília Diogo, como é fácil comprovar pelas fotos apresentadas nesta
reportagem; a “Irmã Josefa” não tem luz própria. A que ela traz na
cabeça é feita com material fosforescente; o Dr. Waldo foi mais feliz
que eu, pois pôde pegar na entidade, sem matar a médium. “Irmã Josefa”
vai embora, porque o Dr. Alberto Veloso (outra “entidade materializada”
em Uberaba) quer aparecer. Ouvimos alguém que engolia alguma coisa.
Instantes depois a mesma pessoa, a médium Otília, vomitava forte. E
gotas de éter caíam sobre os nossos braços. O “Dr. Veloso” estava
chegando. Ouvimos, então, o barulho de um pé que batia no assoalho.
Porque o “Dr. Veloso” não fala e é assim que se comunica com os
presentes. Ele concorda,. batendo com o pé no chão, em ser fotografado
ao meu lado. Mais uma foto minha ao lado de um “espírito”. Vai-se o “Dr.
Veloso”. E ouve-se a voz de uma mulher imitando o falar de um “preto
velho”. Esta entidade, segundo nos dissera o Dr. Waldo, aparece
raramente. Sua imagem representa um preto velho, de calças rotas e
remendadas. Mas o preto, por mais que pedisse ectoplasma, por mais que
fizesse força, não conseguiu aparecer. E também caiu fora. Novos
gemidos, mais vômito da médium Otília, o som desta vez saindo da cabina.
É “Irmã Josefa” de volta, informando que não está materializada: é
apenas voz e está saindo a poucos centímetros da boca da médium. Diz que
vai dar uma demonstração da sua “presença”, apertando ainda mais as
algemas que prendem os pulsos de Otília. Ouvimos, então, o barulho
característico de uma algema fechando. Se o “espírito” não desse a
necessária “explicação”, nós poderíamos concluir que a algema estava
aberta. Mas se a “Irmã Josefa” era apenas voz, com que mão apertou as
algemas? Mais preces e termina a sessão. Que não me convenceu,
absolutamente. Gostaria de ver mais algumas. Só que, “se houver próxima
vez”, quero levar talco e vou espalhá-lo pelo chão. Pois não pretendo me
levantar da cadeira. Mas alguém poderá fazê-lo. E será apanhado em
flagrante!
DEPOIMENTO DE HENRI BALLOT
A
sala onde deveria realizar-se a experiência foi bem examinada. Não
encontrei nela nada semelhante a portas falsas ou alçapões. De fora para
dentro, aparentemente, nada poderia entrar, depois que a única porta
(existe outra, totalmente fechada e lacrada com esparadrapo e pano
preto) fosse fechada. A cadeira, com assento de lona, onde se sentaria a
médium, também não apresentava nada de anormal. Nem as mesinhas usadas
para colocar o gravador e o toca-discos. O exame me fez acreditar que o
truque seria feito dentro da sala escura e fechada. Num dos cantos da
sala, havia uma cortina preta, presa por argolas a um cano de ferro.
Atrás dela, a cadeira onde a médium seria amarrada. Em frente à cabina,
as cadeiras dos espectadores, dispostas num semicírculo. Junto à
cortina, descia do teto um fio elétrico, tendo, na sua extremidade, uma
pequena lâmpada pintada de vermelho, que acendia apertando-se um
interruptor tipo pêra. Segundo o Dr. Waldo, esta lâmpada permaneceria
acesa durante a aparição do “espírito materializado”, confirmando o
texto publicado em “O Cruzeiro”, baseado no depoimento dos médicos que
haviam assistido às primeiras experiências, “sob luz vermelha”. Resolvi
verificar a intensidade daquela luz, na sala às escuras. E fui medi-la
com o meu fotômetro, revelando aos presentes que ela era suficiente para
trabalhar sem “flash”. Poderia, portanto, fotografar os “espíritos” com
luz ambiente. Meu colega Mário de Moraes havia pedido para filmar a
experiência e o Dr. Waldo informara que isso só seria possível com um
custoso aparelhamento infravermelho, que seria adquirido nos Estados
Unidos por 36 mil dólares. Acredito que esse preço é bastante exagerado,
podendo ser reduzido algumas centenas de vezes. Mais tarde, o mesmo Dr.
Waldo, que era o “cabeça” de tudo, informava que a luz vermelha não
ficaria permanentemente acesa. O fato de eu verificar que poderia
fotografar com ela, sem “flash”, não a terá apagado? Só fora permitida a
entrada de um “flash” na câmara de experimentações. Os demais
fotógrafos (eu, Moraes e Jorge) funcionaram na base do “B”. O “flash”
usado (os outros ficaram na sala ao lado) foi o do José Nicolau. E só
podíamos fotografar quando a “freira” desse consentimento. Ela dizia: “—
Podem fotografar agora”. O Nicolau avisava, nós abríamos as lentes, ele
estourava o “flash”, e os filmes eram imprimidos. Pouco antes da “Irmã
Josefa” aparecer, ouvimos a sua voz que pedia mais e mais ectoplasma. O
de Otília não fora suficiente e ela necessitava da “colaboração” da
platéia. Todos deveriam abrir bem a boca, pois por ela “sairia” a
matéria necessária. Mas apenas dois dos presentes “colaboraram”: o Dr.
Ismael de Resende e o fotógrafo profissional que trabalha para o grupo
desde as primeiras experiências. (O pior é que o Dr. Ismael estava atrás
de mim, e recebi jatos de saliva, enquanto ele “expelia ectoplasma”.) O
homem gritava tão alto, que obrigou o Dr. Sebastião, que dirigia os
trabalhos, a pedir-lhe moderação nos “vômitos”. E ele atendeu, ficando
mais tranqüilo, para meu descanso higiênico. O curioso é que numa das
fotos batidas, apenas um dos médicos presentes está com a boca aberta.
De onde se conclui que, ou os outros não acreditavam na necessidade de
fornecer ectoplasma ou não se prestaram a colaborar. O “Dr. Veloso”, que
apareceu em segundo lugar, fez várias e rápidas aparições (de segundos)
em diversos pontos da sala. Pulava de um lado para outro, acendendo e
apagando a luz vermelha. Não podíamos fotografá-lo nesses momentos.
Havia a concordância de nos ser mostrado o rosto, em aparições
momentâneas debaixo da luz vermelha, mas sem fotos. O “Dr. Veloso” não
quis tirar o turbante. Naturalmente para que não desabasse o cabelo da
médium. As aparições eram tão rápidas que se tornava difícil até
distinguir a barba que o “espírito” levava no queixo. Mas pude ver, com
toda a clareza, e as fotos vieram confirmar depois, que o tal “Dr.
Veloso” materializava-se com o busto da médium Otília. Quando a sessão
chegava ao fim, pedimos uma nova experiência para o dia seguinte. A
“Irmã Josefa” disse que não: Otília, a médium, precisava descansar. O
Dr. Waldo havia garantido a aparição do fenômeno naquele mesmo dia. E
nos prometera outras aparições, nos dias seguintes. Mas os jornais de
São Paulo, na mesma sexta-feira, anunciavam a presença daquele grupo de
médicos e de Otília, numa reunião espírita a ser reatada no sábado,
naquela cidade. Como o Dr. Waldo poder-nos-ia garantir outra sessão no
sábado, se nesse dia ele e os demais deveriam estar em São Paulo? Ou ele
já sabia que, para os repórteres de “O Cruzeiro”, uma experiência era
suficiente? Se pensou assim, pensou bem. Porque, se segunda sessão
houvesse, nós estaríamos mais experientes e bem preparados para
desmascarar totalmente a fraude. Além disso, alguns dos médicos e a
própria Otília (esquecida da consulta médica) estavam de malas prontas
(verificamos no hotel) para viajar no dia seguinte, bem cedo. Curioso,
também, o fato das “materializações” aparecerem logo na primeira sessão
realizada para “O Cruzeiro”. Uma vez que, de setembro a novembro (3
meses), eles só conseguiram seis experimentações. A nossa foi a sétima. A
oitava, nona, décima etc, que nos prometeram, ficaram adiadas “sine
die”. Estas foram minhas observações. Meus companheiros fizeram outras.
Juntando tudo, cheguei à conclusão de que a experiência realizada em
Uberaba para a reportagem de “O Cruzeiro” foi fraudulenta. Asseguram
aqueles médicos que “o intuito é científico e nenhuma intenção religiosa
anima a equipe de pesquisadores”. Mais uma razão para tornarem
verdadeira aquela primeira promessa de que teríamos “tantas sessões
quantas fossem necessárias”. Se é que querem correr o risco…
Somente a barba diferencia o dr. Alberto Veloso da médium Otília Diogo
O
exame superficial das vestes da médioum Otília Diogo chega ao seu
término. Das peças íntimas ela só mostrou o porta-seios. Como estivesse
atravessando um período crítico mensal, deixou inibidos aqueles que
deveriam examiná-la com mais cuidado. Um detalhe curioso desta
fotografia, e que pode ser facilmente observado, são os joanetes nos pés
de Otília. Eles também seriam “materializados”.
|
O
“MÉDICO” Veloso posa para a nossa reportagem. Nos ombros da sua blusa
notam-se as costuras feitas no tecido. E nos pés da entidade
“materializada” os mesmos joanetes existentes nos pés da Otília Diogo.
Da médium foi, segundo os experimentadores, aproveitada toda a matéria
para a “Irmã Josefa”. O “Dr. Veloso” também usou o corpo de D. Otília,
inclusive seios e joanetes. Mas de onde saiu a barba do “Dr. Veloso?”
|
FRAGMENTO “ectoplásmico” quando era examinado num microscópio. O dr. Eboli diz tratar-se de fio de algodão.
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O FIO tem contextura de gaze e, onde se cruza com os outros, há um forte esmagamento da fibra. O tecido foi dobrado.
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O perito Carlos Eboli, da polícia do Rio, examinou um pouco de “ectoplasma”, concluindo tratar-se de um fio de algodão com contextura de gaze, com acentuados esmagamentos, provando que o tecido foi fortemente dobrado.
DEPOIMENTO DE NILO DE OLIVEIRA
Uma
sala quadrangular, tendo no vértice esquerdo um pequeno biombo de
cortinas negras, com duas portas de acesso — uma interior e outra
exterior —, sem uma única janela, com dois ventiladores reversíveis
embutidos na parede esquerda, foi o local escolhido, por uma equipe de
médicos, na cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, para experiências
de materialização de entidades espirituais, que seriam feitas em nossa
presença e sob nossa fiscalização.
Como
no relatório das experiências anteriores constava a ampla liberdade
dada aos presentes para fiscalização, pedi ao Dr. Waldo Vieira que me
deixasse ficar ao lado da médium Otília Diogo, que ficaria no biombo
amarrada a uma cadeira presa ao chão. O Dr. Waldo dissera-nos de início:
— Vocês têm ampla liberdade para fiscalizar nossos trabalhos de materialização.
— Dr. Waldo, eu gostaria de ficar no interior do biombo, junto da médium, durante a realização dos trabalhos.
— Ah! Isto é impossível. Ninguém pode vê-la e ficar junto dela.
— Mas
como? Os senhores enviaram a “O Cruzeiro” uma foto de Dona Otília feita
no momento exato em que o “ectoplasma” fluía de seu ouvido esquerdo.
— Naquela
oportunidade, Nilo, a entidade que se estava materializando nos deu
permissão para tal, mas eu não posso consentir que você fique junto da
médium, no interior do biombo. Serão feitas tantas experiências quantas
as necessárias para que vocês se convençam da verdade.
Diante
desta afirmativa, aguardei a oportunidade para consultar a “entidade
materializada” sobre minha pretensão de ficar ao lado da médium.
Ao
examinar os ventiladores embutidos na parede, verifiquei a
possibilidade de alguém, pela parte exterior, colocar neles alguma
substância química que seria espargida no interior da sala para diminuir
a resistência psíquica dos presentes. A parte anterior dos ventiladores
era recoberta por um pano preto enrolado em suporte de madeira. Diante
deste fato, ficou resolvido que, na primeira experiência, eu ficaria
fora da casa, tomando conta de seu exterior para que nenhuma burla
pudesse ser feita de fora para dentro. Meus colegas, Mário de Moraes,
Henri Ballot, Jorge Audi, José Franco e José Nicolau fiscalizariam o
interior, onde seriam realizadas as experiências. Na noite seguinte, eu
ficaria no interior da casa depois de ter feito, durante o dia, a
verificação do sistema de iluminação elétrica da mesma, tendo a
liberdade, inclusive, de mudar todo o circuito. Com este plano concordou
o Dr. Waldo Vieira, médico de Uberaba, que lidera as experiências.
Revistei
as pessoas que entravam na sala, com exceção de duas moças e da médium,
pois estava impossibilitado de fazê-lo. Anotei, então, um lembrete:
levar, no outro dia, uma senhora que pudesse fazer a revista nas pessoas
do sexo feminino. Quando fui algemar a médium as algemas eram de
propriedade dos experimentadores — quis fazê-lo a meu modo, mas fui
impedido pelos protestos dele e de alguns assistentes. Alegavam que
Otília seria machucada durante as contorsões que teria. Rubriquei
esparadrapos e coloquei no buraco das chaves, dos cadeados e das
algemas. As chaves ficaram em meu poder, o que não excluía a
possibilidade de alguém ter duplicata das mesmas, pois todo o material
usado era de propriedade dos experimentadores. Nossas providências de
segurança seriam tomadas no dia seguinte, depois de observarmos a
primeira sessão.
Durante
os preparativos, simulei estar colocando alguma coisa na eletrola
existente na sala, pois o Dr. Waldo afirmou-me que a entidade
materializada faria a ligação direta da mesma. Quando ninguém poderia
tomar providência alguma quanto ao exame da eletrola, eu disse a algumas
pessoas presentes que a havia recoberto com substância química, somente
visível quando exposta à ação de raios ultravioletas e que eu a
examinaria após à sessão. Naquela noite, nenhuma “entidade” ligou a
eletrola… A sessão realizou-se sem música.
Permaneci
todo tempo da sessão no exterior da casa. A noite caminhava para sua
metade e gemidos lancinantes vinham do interior. Um estudante de
medicina de nome Adley, componente do grupo de experimentadores, ficou
comigo. Sua missão era não deixar que eu olhasse através as frestas dos
ventiladores. Eu me comprometera a obedecer as instruções recebidas, que
eram de não projetar luz do exterior para o interior e nem tirar o pano
preto dos ventiladores. Em determinado momento recebi na face um jato
de éter vaporizante. Senti que o ventilador, perto do qual me
encontrava, estava ligado para exercer a função de exaustor e que aquele
éter vinha do interior. Mais tarde, meu colega José Franco contou-me
que alguém havia dito ao “espírito materializado” que jogasse éter para
que eu sentisse o cheiro.
Terminada
a sessão, verifiquei que ninguém havia interferido da parte exterior da
casa. Lá dentro, só as algemas, que eu havia deixado três dentes por
apertar, estavam totalmente fechadas. Explicaram-me que os “espíritos”
tinham pedido ordens para fechá-las e assim o tinham feito, tendo todos
os presentes ouvido o ruído do fechamento. Não haveria mais sessões
conforme o combinado, pois “as entidades não queriam realizá-las”. O Dr.
Sebastião de Melo, médico goiano, disse-me que, pela primeira vez em
todas as sessões que assistira, as “entidades” materializadas não
ligaram a eletrola. Diante deste e de inúmeros outros fatos, convenci-me
de que, no caso em que acabara de tomar parte, o fenômeno de
materialização era fraudulento. O seu desmascaramento total havia sido
frustrado pela não realização de outras sessões conforme o combinado com
o Dr. Waldo Vieira. Para nós o embuste era claro, mas muitos dos
presentes à sessão ainda acreditavam nele e mostravam-se agressivos ante
as nossas argumentações.
DEPOIMENTO DE JORGE AUDI
Uma
das principais funções de um repórter é testemunhar diariamente para um
grande júri, que é a opinião pública. Nesse mister, percorremos mais de
mil quilômetros, em dezesseis horas de viagem direta do Rio a Uberaba.
Fenômenos de materialização haviam sido “fotografados” e testemunhados
por mais de uma dezena de médicos de diversas especialidades. O que vi e
constatei dá margem às observações que passo a fazer a bem da verdade
para um público que procura, no que escrevemos, os elementos de suas
convicções e juízos.
Ao
primeiro contato, o Dr. Waldo Vieira ofereceu-nos uma liberdade ampla,
que foi aos poucos reduzida por uma série de proibições e regulamentos.
Sentimos logo que qualquer insistência nossa poderia redundar num
fracasso total e resolvemos adotar uma política de tolerância. Não
permitiu o uso de equipamento fotográfico infravermelho, alegando que a
penetração do raio dissolveria o ectoplasma. Não permitiu o uso de
filmadoras, porque a “matéria” não resistiria à luz contínua. Quis
conhecer detalhes da câmara e filme que usaríamos. Perguntei-lhe qual
seria a iluminação durante o trabalho. Informou-me que seria escuridão
absoluta, até que a “entidade” já materializada acendesse uma pequena
lâmpada vermelha que pendia rente à cabina de pano preto, com
interruptor do tipo “pêra” num prolongamento de fio até próximo ao chão.
Quis saber se essa lâmpada permaneceria acesa todo o tempo da
materialização. Afirmou que sim. Anunciei, então, que poderia fazer
fotos sem o auxílio do “flash”. Henri Ballot constatou essa
possibilidade através do fotômetro, naquelas condições de luz. O Dr.
Waldo ficou surpreso com essas afirmações, demonstrando total
desconhecimento de que os filmes pancromáticos gravam as luzes
vermelhas, e não as verdes, o que ocorre inversamente com os
ortocromáticos. Imaginem a minha surpresa quando a figura surgida da
cortina preta acendia e apagava a luzinha em frações de segundos. Por
que essa modificação repentina? Só um “flash” foi permitido entrar no
ambiente. As demais câmaras teriam que ser operadas com a objetiva
aberta, aproveitando a luz daquele. As fotografias só podiam ser feitas
quando a “Irmã Josefa” (nome da entidade) autorizasse. O que eu não
disse ao Dr. Waldo é que tinha equipado uma das minhas câmaras com um
filme colorido. A sensibilidade dessa película responde à temperatura
das cores, o que lhe dá maior sentido de penetração e uma ligeira
sensação de terceira dimensão. Os efeitos foram excelentes e revelaram
detalhes que não surgiram nas fotos preto-e-branco. Mostram a fisionomia
da médium por detrás do véu. Na outra “entidade” masculina, que
responde pelo nome de “Dr. Alberto Veloso”, nota-se nitidamente a
presença de seios sem “soutien”, que fariam volume maior. Mário de
Moraes havia falhado na tentativa de espalhar talco nó chão, que
denunciaria qualquer marca de pé. Minutos depois, o Dr. Waldo dizia que
às vezes faziam um circulo de giz no solo onde a entidade ficava
facilitando a localização no escuro e execução de fotografias. Vi
naquilo um processo que poderia substituir o talco sugerido por Moraes e
pedi que o fizessem. Funcionou bem. Pelas fotos, verifica-se que este
círculo vai sendo apagado pouco a pouco pelos pés da “aparição
ectoplasmática”. Quando terminou a sessão, procurei verificar a sola dos
pés da médium e constatei, com a ajuda do Mário de Moraes, de três
marquinhas de giz, que desfiz com a ponta do dedo. Antes de começar, fui
chamado para fiscalizar a revista que fariam nas vestes da médium
Otília Diogo. Entramos no quarto e já encontramos D. Otília com as
roupas de trabalho. O Dr. Ismael Ferreira de Resende fez a apalpação
desde as axilas, por fora do vestido, até a barra da saia. Na altura da
cintura, nova apalpação. D. Otília, com o insofismável intuito de nos
colocar em situação vexatória, começou a dizer que podíamos olhar a
vontade, que a única peça clara que usava era o “soutien” rosa,
perguntando-nos se faríamos questão de examiná-lo também. Como nenhum de
nós respondesse, abriu a blusa, exibindo-o. Ao mesmo tempo, afirmou que
faria o mesmo com outra peça mais íntima, advertindo-nos entretanto que
se encontrava em seu período crítico mensal. Em seguida, voltando-se
para o médico que a havia apalpado, declarou agitada que, sempre que se
submetia a esses testes, ficava excessivamente nervosa, o que lhe
provocava distúrbios menstruais. Isso liquidava qualquer pretensão nossa
de sermos irredutíveis, e “justificava” um volume anormal que
observássemos. Chamamos a atenção para certo aumento nos quadris e fomos
informados que ela vestia duas anáguas, sendo uma preta. A situação era
de constrangimento e percebemos que, se insistíssemos, a mulher
entraria em crise nervosa. Embora sentíssemos que ali poderia estar a
chave do mistério, havíamos combinado não insistir caso se criasse um
“impasse”, isto porque, dessa forma, a sessão poderia não se realizar.
Confiávamos também na promessa dos Drs. Sebastião e Waldo, de que fariam
tantas experiências quantas fossem necessárias para nos convencer. A
primeira seria para observações iniciais e planejamento das medidas
definitivas a adotar nas seguintes. Estranha promessa quando, soubemos
depois, o Dr. Sebastião, já antes dos trabalhos, anunciara estar de
malas prontas para regressar a seu Estado na manhã seguinte. D. Otília
também tinha compromisso no sábado à noite, em São Paulo (uma
conferência). Durante a reunião, quando indagamos se poderíamos ter uma
“reprise” na noite seguinte, a “entidade” se recusou. Ao final de tudo
externei meu desejo de examinar novamente as vestes de Otília.
Visivelmente nervosa, ela se negou, alegando necessidade urgente de ir
ao banheiro. Quebrou com isto o regulamento da repesagem. Só depois foi
para o quarto e ali trocou de roupa. Encontramo-la já com a saia
vestida, e, no busto, somente o “soutien”. Entregaram-me a roupa preta e
não me foi permitido observá-la de anágua transparente.
Outro
detalhe: ao ser incumbido de libertar os pés da médium, verifiquei que
eles já estavam praticamente soltos. Comecei a puxá-los para retirá-los
sem desafivelar as correias mas Otília resistiu, reclamando. Note-se que
as fivelas têm pinos que, em posição normal, passam pelos orifícios dos
cintos, prendendo-os. O cadeado, no caso de Otília, havia sido enfiado
num orifício da correia e na fivela. Quando tentei tirar o pé de D.
Otília, o pino tinha passado para baixo da fivela, libertando o orifício
e alargando o cinto em quase dois centímetros e meio o espaço entre o
gancho e o corpo do cadeado. Um afrouxamento que lhe permitiria
tranqüilamente soltar o pé sem abrir o cadeado. Ao pedir para fotografar
a “entidade” bem de perto, foi com a intenção de poder observar
qualquer detalhe que pudesse ser importante. Quando o “flash” estourou,
pude observar que o véu que cobria o rosto da “aparição” esfiapava.
Terminada a sessão, procurei fios de tecido pelo chão e na cortina. Meus
cálculos estavam certos. Encontrei um fragmento preso à cortina.
Guardei-o com cuidado no bolso. Examinado em laboratório por um dos
melhores peritos do Brasil, Dr. Carlos de Melo Éboli, o resultado foi o
seguinte:
“Trata-se
de um fio de algodão, com vestígios de tecedura mecânica, contextura de
gaze, com malha de 3,5 mm. Não apresenta depósito de substância
fosforescente nem fluorescente. Nos pontos em que os fios se cruzam, há
um forte esmagamento da fibra, a indicar ter o tecido sofrido uma
exagerada prensagem ou passagem a ferro. Nas microfotografias, vai
demonstrado o esmagamento da fibra e o tamanho da malha”.
Parece que a entidade se esqueceu de “desmaterializar” esse danado de pedacinho de linha.
O CRUZEIRO, 1 – 2 – 1964
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