Promoção ou jornalismo? Difícil responder, diante dos dois programas sobre Chico Xavier exibidos na Globo News e das inúmeras referências ao filme dirigido por Daniel Filho, feitas em colunas do jornal O Globo, nos últimos dias.

Um comercial do filme, exibido ontem (quarta-feira, 31/3/2010), no intervalo do segundo Arquivo N sobre Chico Xavier, sugere operação de marketing bem orquestrada, tendo por objetivo diluir a fronteira entre a versão ficcional que estréia amanhã (sexta-feira, 2/4/2010) e o personagem real. Por outro lado, evidencia os benefícios promocionais de um filme produzido pela Globo Filmes, contando com o beneplácito do jornal O Globo, dos canais da Rede Globo e da Globosat.

O fato de estar sendo celebrado o centenário de nascimento de Francisco Cândido Xavier pode servir de justificativa, sem dúvida, para o jornalismo tratar dele. Nesse caso, seria preciso reconhecer o profissionalismo e competência dos produtores, aprontando o filme para estrear em 2 de abril, dia exato em que Chico Xavier completaria 100 anos.

No Arquivo N exibido ontem, roteirizado e editado por Gustavo Cascon, fica clara a maneira como, ao menos a partir de 1979, a Globo investiu na legitimação nacional do médium, e na divulgação do espiritismo, contando para isso com a contribuição de compositores e intérpretes célebres. A declaração de Roberto Carlos na abertura dá o tom meloso dos depoimentos sobre Chico Xavier e das entrevistas dele próprio: “Esse é um programa de amor. Um homem chamado ‘amor’. Um homem que eu aprendi a amar através da minha vida.” No fim do primeiro bloco, para completar, ele canta “Ave Maria”.

Segundo o próprio jornalista Nei Gonçalves Dias, a entrevista dada a ele por Chico Xavier, exibida no Fantástico em 1979, teria traçado “para o resto da vida o perfil de Chico Xavier”, na ocasião sofrendo de angina, “e quase agônico em Uberaba”.

Nos anos seguintes, outros programas da Globo continuaram a cultivar o mito. Em 1980, Chico Xavier volta a ser entrevistado, desta vez por Glória Menezes, em um Sexta Super Especial, parte de uma inacreditável campanha para que fosse indicado ao prêmio Nobel da Paz. A atriz parece fingir que se emociona durante a gravação e chega a ter o seguinte diálogo: “Como você vê o sexo entre o homem e a mulher?” A resposta  fala por si, ilustrando as banalidades de que o entrevistado é capaz: “Vejo o ato sexual na condição de uma união sublimada do amor entre o homem e a mulher.” Coroam o programas, a leitura por Tony Ramos e Glória Menezes de textos psicografados por Chico Xavier. No encerramento, não poderia faltar uma música de Gilberto Gil dedicada ao médium, cantada por Elis Regina.

Em 1983, com o título de Um Infinito amor, o programa Caso Verdade dramatiza episódios da vida de Chico Xavier, com Lúcio Mauro no papel do médium. As breves cenas incluídas no Arquivo N parecem o rascunho de algo ainda por fazer.

Passados quase 20 anos, surge agora Chico Xavier, dirigido por Daniel Filho. Será mais um elo dessa corrente de divulgação do espiritismo? Ou apenas uma operação comercial? Não tendo visto o filme, seria precipitado fazer qualquer comentário. Espero poder ir ao cinema amanhã e escrever a respeito até o fim da sexta-feira da Paixão.